quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

FREI SOLANO HUBNER

         

Uma das primeiras visitas que recebi, depois de vários dias no seminário, foi a de meu pai que me disse que ele e a mãe rezavam por mim. Tomamos as escadarias e corredores do vasto seminário, para que meu pai conhecesse as salas de aulas, Sala Magna onde aconteciam palestras e onde se via televisão, sala de jogos, biblioteca, dormitório, sala de pesquisa, laboratório, refeitório, instrumentos musicais, campos de futebol de salão e de campo, basquete, piscina, refeitório, capela, gruta, entre outros espaços daquele lugar paradisíaco.

Quando passamos pelo saguão central, vimos um padre professor, pensativo, mãos atrás das costas a observar a paisagem emoldurada pelos morros do outro lado do Rio do Peixe. Meu pai se sentiu comovido com aquela cena.

Expliquei que não era tristeza e que aquele semblante sério era aparente, casualidade de reflexões diárias cavadas na circular  em frente ao museu do seminário.

Realmente, Frei Pe. Anselmo Hugo Scheitzer, nas aulas de história e inglês, abria o coração e era simplesmente espetacular ouvi-lo animado, vivenciando o conteúdo das matérias que lecionava. Era o nosso “Behind”, apelido que a turma lhe deu, de tanto ouvir a frase, “benhind the door”.

Os anos seguintes revelariam o tamanho do ideal de Frei Anselmo e a sua força de ação na evolução do espírito de todos aqueles que foram seus alunos. Ao lado da brandura de Frei Pe. José Lino Luckmann, lá estava um verdadeiro exemplo de amor e vocação franciscana. Porém nossos contatos naquele ano restringiram-se as aulas. Fora delas nossos caminhos se cruzavam  num ‘bom dia’ ou ‘boa tarde’. Na realidade parecia que Frei Anselmo não simpatizava muito com minha  exagerada e regular espontaneidade.      

Coisa engraçada a vida... Nem suspeita passava pela cabeça de todos, tão tranquilos e róseos os dias repletos de esplendor marginados de harmonia que nos concedia a vida, da dor que a fatalidade nos reservava.

Chamado por Deus, parte Frei Solano,  Orientador do seminário, rumo ao encontro marcado no alto dos céus, depois de vários meses adoentado em Curitiba.

A mórbida morte silenciou o refeitório, parou os risos e encardiu o ar da capela com um cheiro de flor de velório. E os risos? O truco, o sangue fervendo nas peladas, a ideia correndo nos campos que deixara em casa, pensando em nunca mais voltar? Nunca mais. A presença deste pensamento arrefeceu a beleza imperturbável da alegria do meu coração adolescente. Senti-me entristecido, amortalhado com aquela música fúnebre.

Frei Solano, adeus. Muitos choraram na concelebração da missa de despedida. Os seminaristas falavam de um frade carismático, humano, disciplinado e companheiro. Difendi Masson, da turma de 1971, contou que as repreensões, quando necessárias, as vezes eram de varadas simbólicas, até bem humoradas, que não chegavam a encostar nos alunos que teimavam em sair da linha.

Na capela lotada, familiares de Frei Solano, vindos do Paraná, cansados pela longa viagem, pareciam incrédulos com aquela atmosfera de despedida e de fé. Entre eles um menino, sobrinho de Frei Solano, perdia o olhar no infinito, na certeza de que não mais ingressaria no seminário...

O entardecer baixava a sepultura, juntamente com o frade Orientador, ex-hospede dessas plagas, que definitivamente desenhava a ponto final na história de sua vida.

Para quem conhece a doutrina cristã, a perplexidade, a amargura não tem razão de existir perante o drama profundo que se descortina no sofrimento da morte. Sentimos a sórdida e mórbida ausência de quem amamos, mas nos conforta a força da lei divina que providencia as alegrias nessa terra e as estende, generosamente por concessão, à luz eterna.   

Todas as vanglórias viraram um punhado de cinzas e as pernas pareciam pesar excessivamente na saída do cemitério de Joaçaba. Andando ao lado de Frei Anselmo, paramos na subida que levava à saída, para observar a dolorosa impressão de tristeza que a cruz do portal causava.

De cabeça erguida, com o vento soprando enfermo pelas rajadas de emoção que enregelavam o coração, depois de um dia obscuro e melancólico, Frei Anselmo calmamente louvou a Deus pelo convite a vida e enigmaticamente balbuciou: “Dentro em breve também entrarei por baixo desta cruz para não mais voltar.”

Um calafrio me passou pela espinha e aquelas palavras ficaram retumbando por algum tempo na minha cabeça.

Agora, distante daquele dia de há 46 longos anos, abro os olhos com força, mas a tristeza ainda permanece e me angustia.

Aquela cruz era um flagelo.

 E sofro.                                                                        


O nome de batismo de Frei Solano era Miguel Hubner.
Nome religioso; Frei Solano Hubner, ofm.
Nasceu na cidade de Selbach, Rio Grande Do Sul.
Seus pais eram Verônica e Alberto Hubner, de origem alemã.
Faleceu com 2 de junho de 1972.
Seu corpo está enterrado em Joaçaba SC.

E aquele menino, retornou no ano seguinte, em 1973. Tarcísio Hubner não encontrou mais seu querido tio. Mas seguiu em frente nos estudos, talvez com a impressão de que ainda poderia encontra-lo, algum dia qualquer, no final de algum daqueles infindáveis corredores do Seminário de Luzerna.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

FREI DANILO MARQUES


 





















Nos primeiros dias do ano letivo de 1974, a vida brilhou intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna. Ao chegar das férias, depois de colocar as roupas no armário, fui dar uma voltinha pelo pátio para matar as saudades de casa e procurar o novo frade, recém chegado.

Perto do jardim do convento parei para observar a imensa construção. Era uma casa fantástica. Para um novato não era difícil se perder nos infindáveis corredores e escadarias. Tratava-se de um belo seminário, plantado ao centro de uma cadeia de montanhas, no Vale do Rio do Peixe, um sulco interminável que se estendia por uma paisagem encantadora.

A velha piscina, entusiasmo de toda a meninada, destacava-se a beira do bosque, oferecendo um visual de lindos desenhos e contrastes da água azul com o verde musgo das árvores, sob as quais se fazia churrasco no dia de São Francisco. Era um lugar cheio de beleza, limpo pela enxada dos seminaristas, expressão notável da disciplina das horas de trabalho, mas alegres pela fraternidade que nos unia.

Naquele lugar sentia-se uma força superior, misteriosa, de um mundo diferente.

- Ei, você viu o tal de Frei Danilo, o frade que chegou ontem?

- Parece que está no portão principal.

Uma roda de alunos escondia o misterioso rosto. Ouvia-se de longe as gargalhadas e uma cabeça branca se agitando no centro do círculo.

Hoje sei, que ao me aproximar daquele frade, algo de maravilhoso aconteceu na minha vida. A cada passo que dava em sua direção, me aproximava de um dos maiores exemplos de bondade e pureza, qualidades somente encontradas em santos frades, aqueles incríveis educadores do seminário São João Batista, meus heróis para sempre.

- Muito prazer, sou Frei Danilo, tenho quarenta e três anos, gostaria, amiguinho, de tirar uma carta?

- Mas o senhor é mágico?

Realmente, foi uma doce mágica encontrar Frei Danilo nesta vida.  Foi nosso professor, Diretor, amigo do peito de todos os seminaristas, companheiro de brincadeiras, pai espiritual, “pequeno príncipe” que a todos cativava com a doçura da compreensão e do amor.

- “Essa negra Fulô, essa negra Fulo”.

-Quem quer declamar “Essa Negra Fulô”, de Jorge Lima?

Além de bom na mágica (sempre tive a expectativa de vê-lo tirar um coelho do chapéu), era um poeta de mão cheia. Gostava de ensaiar teatro com os alunos, montar peças interessantes e envolver a todos na literatura brasileira.

Grande poeta, exímio esgrimador de estrofes, sonetos e versos, mas também pelo excelente trato que dispensava aos seus seminaristas, com palavras e gestos que demonstravam amor e dedicação por uma causa que hoje compreendo melhor, a causa do Reino de Deus.

Sem dúvida, a vida de todos brilhou intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna. 

Fulgurou em meio a garotada, naquele belo ano de 1974, um espírito criativo, um líder inteligente, alma de criança, olhos do céu, cometa fulgurante...que hoje me deixa em silêncio, pensativo, achando que ainda vou encontra-lo por aí, em meio a uma mágica e outra.

E, no torvelinho da correria deste ano de 2018, quando me quedo a pensar, surge uma forte saudade e, pedindo-lhe mais uma mágica, eis que surgem lembranças daquele sorriso que me acalma e consola.

- Mais ênfase Techio, é fundamental viver a poesia!
E repetia para que eu pudesse copiar à perfeição: “Essa negra fulô, essa negra fulô”.


(Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê, cadê teu Sinhô que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra fulô? Essa negra Fulô!)

sábado, 10 de fevereiro de 2018

O MUSEU – SEMINÁRIO SÃO JOÃO BATISTA – LUZERNA - SC



    













Por Frei Francisco Orth*
O museu escolar, que se encontra no seminário são João Batista, de Luzerna, foi fundado pelo professor, de saudosa memória, Frei Miguel Witter, em Rio Negro, Estado do Paraná. Frei Miguel foi professor de ciências naturais. Seu grande amor pela citada ciência fez com que colecionasse inúmeras amostras de animais, em boa parte já extinta.    

Frei Miguel Witte nasceu em Osnambruck, Alemanha, em 27 de julho de 1885. Passou sua vida como sacerdote e professor, no seminário São Luis de Tolosa, em Rio Negro, onde permaneceu até o seu falecimento, (embora já por vários anos não mais lecionasse), em 20 de janeiro de 1967.

Oficialmente e Museu Escolar começou a funcionar a 11 de fevereiro de 1926, segundo consta no primeiro livro de registro de assinaturas de visitantes.

Milhares de pessoas tiveram acesso a visitação no seminário São Luis de Tolosa. Acima de 36 mil registros de assinaturas se encontram assinalados nos vários livros de visita até o ano de 1968. No final de um desses livros de registros encontram-se notas declarando que provavelmente nem a metade dos visitantes fez o seu registro nos livros.      

Aos domingos e feriados o museu era um local de um enriquecedor divertimento. Gente local, como de cidades vizinhas, Curitiba, por exemplo, vinham aprender a amar os seres da natureza.


Em 1971, por motivos da venda do seminário São Luis de Tolosa, o museu escolar, por decreto Providencial de janeiro de 1971, foi transferido para o seminário São João Batista, em Luzerna SC. Acrescenta-se ainda, que nesse respectivo ano de 1971, começou a funcionar em Luzerna, no seminário, o ginásio completo, pois até esta data só funcionava a 5* E 6* series. Consta na ata inaugural do livro de assinaturas, que Frei Gregório Johnscher, OFM, foi encarregado da transferência, como também da nova instalação, no seminário São João Batista.     

Num sábado, dia 20 de março de 1971, as 15.30 horas, reuniu-se a comunidade religiosa residente, os seminaristas, com o Exmo. Sr. Coordenador Regional de Ensino, Almeida Lago; diretores de estabelecimentos de ensino de Joaçaba e Luzerna, e outros visitantes, para a inauguração do Museu Escolar dos Padres Franciscanos. Cento e trinta e cinco assinaturas estão registradas no livro de visitas no dia da inauguração.

De 1971 até setembro de 1985, 13.068 assinaturas encontram-se nos livros de visita. Isso somado com as do Rio Negro, temos aproximadamente 50 mil registros de visitas ao Museu Escolar dos Padres Franciscanos, no espaço de 50 anos, sem contar as visitas que deixaram de inscrever seu nome no respectivo livro.
Por que tanta curiosidade pelo Museu Escolar?


Os motivos podem ser vários. Certamente em primeiro lugar porque o museu conta com um acervo de peças muito preciosas. Muitas espécies já estão quase extintas no nosso território pátrio. Em números, estão catalogados 2.598 insetos, assim distribuídos. 1571 coleópteros, 882 borboletas; 33 arachinidios; 212 acrídios, etc. Além dos coleópteros, o museu conta com 46 quadrúpedes; 101 pássaros,42 cobras, um esqueleto humano e de partes de muitos animais, inclusive o maxilar de uma baleia. Além disso, o visitante pode apreciar inúmeras espécies de madeiras, cristais, minerais, etc.         

Em segundo lugar, a grande procura pelo Museu deve, por ser uma obra muito bem cuidada, sobretudo no tempo de Frei Miguel que vivia pelo Museu. O que apresenta hoje é trabalho incansável desse Frade, que mantinha um zelo apaixonado por tudo. As vitrines, a arrumação a arte da montagem, tudo se deve ao espírito engenhoso e criativo de Frei Miguel.

Além desses motivos certamente outros haverão, como, campo de pesquisa para estudantes que em todos os anos se servem de seu cabedal para crescer no conhecimento da natureza; a distração recreativa de pessoas que fazem do Museu um ponto quase que turístico, pois o seminário São João Batista é arquitetonicamente uma obra de rara beleza de engenharia, localizado ás margens do Rio do Peixe e da entrada da Amizade, SC 305, em Luzerna.   


Para a manutenção e conservação da entidade mantenedora, que são os padres franciscanos, é cobrada uma taxa simbólica. Quase todos os anos, na época das férias de fim de ano, Frei Gregório Frei Gregório Johnscher vem de Agudos- SP. Para promover e rever a conservação. A taxa cobrada é para essas finalidades. Diga-se de passagem que Frei Gregório nutre um grande amor pelo museu. O mesmo também é responsável por um grande museu no seminário Franciscano Santo Antonio de Agudos- SP. Se não fosse o carinho e o cuidado dele talvez algumas peças já se teriam deteriorado. Esperamos que Deus continue a dar forças e saúde para Frei Gregório e que o mesmo possa continuar na manutenção dessa obra monumental.

*Frei Francisco, de saudosa memória, foi professor e orientador em Luzerna – SC –

ARTIGO ESCRITO EM 1985. 

O SEMINÁRIO DE LUZERNA FECHOU E O MUSEU FOI TRANSFERIDO PARA AGUDOS – SP.