terça-feira, 9 de outubro de 2018

ROQUE LAUSCHNER: "PRA QUE A PRESSA? TOME MAIS UM MATE"


Aqui no sul é costume tomar chimarrão logo cedinho.

Acostumei-me ao hábito da cuia, pelos gabinetes de trabalho do antigo Centro de Documentação e Pesquisa da Unisinos.

A cuia passava de mão em mão, nas reuniões de trabalho com

Pe. Roque Lauschner,
Pe. Jose Ivo Follmann,
Jose Renato Soethe,
Pe. Pedro Calderan Beltrão,
Alcido Anildo Arnold,
Marco Antonio Fetter,
Geraldo Alzemiro Schweinberger,
Vera Regina Schmitz, Olga Herdia,
Pe. Padre Rafael Carbonell de Masy
Vania Elizabet Rizzo,
Vergílio Frederico Perius,
Pe. José Odelso Schneider,
José Soraco Troncoso

Estranhei, quando pela primeira vez, me ofereceram aquela imensa cuia gaúcha de porongo. 

Depois da dificuldade da primeira tomada (que parecia não ter fim), concentrado no que se discutia naquela imensa mesa da sala de reuniões, o amargo do chimarrão, de mansinho foi se tornando doce.

O Cedope da Unisinos não existe mais e Pe. Roque Lauschner SJ, há muitos anos foi participar das rodas de chimarrão celestiais com seus companheiros,  Pe. Herbert Ewaldo Wetzel (ex-Reitor da Unisinos) e Pe. Pedro Calderan Beltrão (fundador do Cedope).

Às vezes me surpreendo com o olhar perdido na cuia de chimarrão matutino, recordando daquelas reuniões de trabalho na antiga sede da Unisinos.

Em muitas reuniões, propostas, reflexões e projetos sobre várias formas de cooperativismo, e a ênfase sobre a agroindústria cooperativa, como principal agente de fortalecimento das microrregiões do país e principal viabilizadora de fixação do homem no campo, a que mais viabilizaria a geração de renda e emprego.

Sobre a agricultura familiar a preocupação latente pairava em torno de várias perguntas, como por exemplo, as publicadas numa resenha de 1994, da lavra de Roque Lauschner:

“Há duas formas de as explorações familiares se inviabilizarem: 1) manter baixos níveis de produtividade (do fator trabalho e capital e dos insumos) a nível de exploração; 2) não integrar-se em complexos rurais (ou cadeias produtivas) eficientes. A pergunta que poderia ser feita é a seguinte: Em que medida o cooperativismo poderia ser uma das formas de organização que viabiliza a agricultura familiar? Até que ponto o cooperativismo pode modernizar a administração das explorações rurais e tornar eficiente o complexo rural de cada produto, maximizando os resultados para a agricultura familiar? Se no ano 2028 os que armazenam, processam e distribuem alcançam 81,6% do valor do complexo rural mundial, pode o cooperativismo beneficiar os produtores familiares?”

Na realidade a história era mais antiga.

Quando “Agribussines” e “agroindústria” , eram palavras pouco conhecidas no mundo e, especialmente no terceiro mundo, no início da década de 70, o economista ROQUE LAUSCHNER já desenvolvia sua tese “ AGRO-INDUSTRIA Y DESARROLLO ECONOMICO “ com a qual obteve o título de Mestre em ciências Economicas pela UNIVERSIDADE DO CHILE (ESCOLATINA) e após alguns anos o título de Doutor pela PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA, em Roma, o que lhe popularizou entre os cooperativistas e na FAO, da qual era técnico, com o apelido carinhoso de “Papa da Agroindústria“.

Os princípios gerais que nortearam e deram consistência a sua pioneira tese, incluindo aí novos conceitos e indicativos para o desenvolvimento dos povos, através da agroindústria, cooperativismo e formas associativistas, como terceira via ideológica, projeto viável e consistente no resgate da dignidade do ser humano, é ofertada, em síntese, em suas reflexões intituladas “O HOMEM E O MODÊLO SÓCIO-ECONÔMICO” , publicado pelos Estudos Leopoldenses da Universidade Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS.

Naquele magnífico ensaio, Roque Lauschner resumia os tópicos que alicerçaram grande parte da sua linha de pesquisa e de suas ações em favor do desenvolvimento, especialmente de pessoas e grupos periféricos à realidade sócio-econômica e ainda sobre a posição do homem e dasinstituições neste contexto.

Rui Polidoro Pinto, falando sobre Roque Lauschner, textualmente escreveu:

“O padre jesuíta Roque Lauschner foi um dos maiores pensadores do agronegócio latino-americano. Em 1974, no Chile, ele escreveu “Agroindústria e desenvolvimento econômico”, onde expõe que os conceitos de setor primário, secundário e terciário são ultrapassados e que se deve ter uma visão do conjunto destes três elementos, de forma orgânica e integrados na agroindústria.

Mas, conforme recupera o professor Luís Humberto de Mello Villwock, da Unisinos, Lauschner não foi somente um homem de ideias. Seu pensamento e ação para o desenvolvimento do agronegócio no Rio Grande do Sul resultaram em ações concretas. No apogeu do Sistema Fecotrigo, juntamente com a Fidene/Unijuí, ele foi um dos articuladores para a criação da Centralsul, visando a industrialização de todo o agronegócio, passando pelos insumos, indo à transformação da soja, incluindo o domínio de canais de escoamento e distribuição. Na mesma época, também inspirou as cooperativas gaúchas, na fundação, em 1976, da CCGL - Cooperativa Central Gaúcha de Leite Ltda., que aproximadamente durante 20 anos tornou-se responsável por mais de 70% do leite coletado no estado. Neste período, o cooperativismo agropecuário foi responsável por 90% do capital social, 88% do patrimônio líquido e mais de 95% das receitas do sistema cooperativista como um todo.

A visão de Lauschner também foi responsável pela fundação, em 1993, da Associação Brasileira de Agribusiness – ABAG, da qual participaram os notáveis Roberto Rodrigues, Nei Bitencourt de Araújo e Odacir Klein. Tive o privilégio de participar deste grupo como primeiro vice-presidente da Abag.

Em entrevista ao jornal O Interior, em outubro de 1977, Lauschner justificava suas ideias citando o que ocorria pelo mundo. “Se queremos enfrentar as empresas multinacionais instaladas nos países em desenvolvimento, não é com pequenas empresas que vamos poder realmente realizar uma concorrência e um verdadeiro serviço aos produtores associados das cooperativas”, afirmava. A essência do cooperativismo é a capacidade de aglutinação. É isto que o faz um sistema poderoso, multiplicador dos esforços individuais. Esta é a hora de exercitarmos este poder, de superarmos todos os obstáculos em favor da intercooperação.

Temos duas opções: ou nos tornamos fornecedores de matérias-primas ou assumimos as rédeas e tocamos a agroindústria cooperativa”

Em outro ensaio, escrito ao tempo em que foi Diretor do Colégio Pio Brasiliano, em Roma, demonstrando profunda espiritualidade e compreensão de Deus, como numa aula de lógica, das que ministrava na UNISINOS, na linha de seu famoso livro “Lógica Formal Técnica de Desenvolvimento do Raciocínio”, afirmou:

“Aquele que chega totalmente a si mesmo e se realiza autonomamente naquilo que ele próprio é e deve ser, partindo da afirmação do valor pessoal e limitado e imperfeito do outro realiza-se pela afirmação, em cada valor finito, do valor pessoal infinito e absoluto, chamado Deus, ou seja, alcança na entrega total ao outro, Deus como horizonte.
E, todo aquele que alcança na entrega total ao outro, Deus como horizonte: “1º) Afirma Jesus Cristo que é a auto comunicação pessoal, existencial e histórica plena de Deus aos homens e a condição de possibilidade do amor humano existencial e histórico pleno para com Deus e, 2º) Afirma a participação num novo povo, chamado igreja, unidade radical da dimensão íntima e social da auto comunicação de Deus e da resposta concreta dos homens a Deus.”
Daí o compromisso moral e inalienável de ser “unidade radical da dimensão íntima e social da auto comunicação de Deus em cuja sede se verifica a resposta concreta dos homens a Ele.”

Na minha despedida do CEDOPE, em maio de 1992, enquanto tomávamos as últimas cuias de chimarrão, conversamos animadamente. Aproximando-se o momento de partir, quando já alcançava a porta de saída, Roque Lauschner me disse: “Pra que a pressa? Tome mais um mate”.
 

NOTA: Os jesuítas foram promotores do cooperativismo desde 1902, com a criação da primeira cooperativa de crédito do Brasil e da América Latina, pelo Padre Teodoro Amstad, em Linha Imperial, Nova Petrópolis, cuja atividade pioneira foi secundada pelos Padres Max Von Lassperg, João Batista Sehnen e pelo saudoso Padre Roque Lauschner.

 Roque Lauschner (*1937 +1997)

“A SAUDADE ETERNIZA A PRESENÇA DE QUEM SE FOI. COM O TEMPO ESTA DOR SE AQUIETA, SE TRANSFORMA EM SILÊNCIO QUE ESPERA, PELOS BRAÇOS DA VIDA UM DIA REENCONTRAR.” 

  



 Cesar Techio

Economista – Advogado

cesartechio@gmail.com