Nos primeiros dias do ano letivo de
1974, a vida brilhou intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna. Ao
chegar das férias, depois de colocar as roupas no armário, fui dar uma voltinha
pelo pátio para matar as saudades de casa e procurar o novo frade, recém
chegado.
Perto do jardim do convento parei para
observar a imensa construção. Era uma casa fantástica. Para um novato não era
difícil se perder nos infindáveis corredores e escadarias. Tratava-se de um
belo seminário, plantado ao centro de uma cadeia de montanhas, no Vale do Rio
do Peixe, um sulco interminável que se estendia por uma paisagem encantadora.
A velha piscina, entusiasmo de toda a
meninada, destacava-se a beira do bosque, oferecendo um visual de lindos
desenhos e contrastes da água azul com o verde musgo das árvores, sob as quais
se fazia churrasco no dia de São Francisco. Era um lugar cheio de beleza, limpo
pela enxada dos seminaristas, expressão notável da disciplina das horas de
trabalho, mas alegres pela fraternidade que nos unia.
Naquele lugar sentia-se uma força
superior, misteriosa, de um mundo diferente.
- Ei, você viu o tal de Frei Danilo, o
frade que chegou ontem?
- Parece que está no portão principal.
Uma roda de alunos escondia o misterioso
rosto. Ouvia-se de longe as gargalhadas e uma cabeça branca se agitando no
centro do círculo.
Hoje sei, que ao me aproximar daquele
frade, algo de maravilhoso aconteceu na minha vida. A cada passo que dava em
sua direção, me aproximava de um dos maiores exemplos de bondade e pureza,
qualidades somente encontradas em santos frades, aqueles incríveis educadores
do seminário São João Batista, meus heróis para sempre.
- Muito prazer, sou Frei Danilo, tenho
quarenta e três anos, gostaria, amiguinho, de tirar uma carta?
- Mas o senhor é mágico?
Realmente, foi uma doce mágica encontrar
Frei Danilo nesta vida. Foi nosso
professor, Diretor, amigo do peito de todos os seminaristas, companheiro de
brincadeiras, pai espiritual, “pequeno príncipe” que a todos cativava com a doçura
da compreensão e do amor.
- “Essa negra Fulô, essa negra Fulo”.
-Quem quer declamar “Essa Negra Fulô”, de
Jorge Lima?
Além de bom na mágica (sempre tive a
expectativa de vê-lo tirar um coelho do chapéu), era um poeta de mão cheia.
Gostava de ensaiar teatro com os alunos, montar peças interessantes e envolver
a todos na literatura brasileira.
Grande poeta, exímio esgrimador de
estrofes, sonetos e versos, mas também pelo excelente trato que dispensava aos
seus seminaristas, com palavras e gestos que demonstravam amor e dedicação por
uma causa que hoje compreendo melhor, a causa do Reino de Deus.
Sem dúvida, a vida de todos brilhou
intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna.
Fulgurou em meio a garotada, naquele
belo ano de 1974, um espírito criativo, um líder inteligente, alma de criança,
olhos do céu, cometa fulgurante...que hoje me deixa em silêncio, pensativo,
achando que ainda vou encontra-lo por aí, em meio a uma mágica e outra.
E, no torvelinho da correria deste ano
de 2018, quando me quedo a pensar, surge uma forte saudade e, pedindo-lhe mais
uma mágica, eis que surgem lembranças daquele sorriso que me acalma e consola.
- Mais ênfase Techio, é fundamental
viver a poesia!
E repetia para que eu pudesse copiar à
perfeição: “Essa negra fulô, essa negra fulô”.
(Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê, cadê teu Sinhô que
Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra fulô? Essa
negra Fulô!)
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