segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

FREI DANILO MARQUES


 





















Nos primeiros dias do ano letivo de 1974, a vida brilhou intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna. Ao chegar das férias, depois de colocar as roupas no armário, fui dar uma voltinha pelo pátio para matar as saudades de casa e procurar o novo frade, recém chegado.

Perto do jardim do convento parei para observar a imensa construção. Era uma casa fantástica. Para um novato não era difícil se perder nos infindáveis corredores e escadarias. Tratava-se de um belo seminário, plantado ao centro de uma cadeia de montanhas, no Vale do Rio do Peixe, um sulco interminável que se estendia por uma paisagem encantadora.

A velha piscina, entusiasmo de toda a meninada, destacava-se a beira do bosque, oferecendo um visual de lindos desenhos e contrastes da água azul com o verde musgo das árvores, sob as quais se fazia churrasco no dia de São Francisco. Era um lugar cheio de beleza, limpo pela enxada dos seminaristas, expressão notável da disciplina das horas de trabalho, mas alegres pela fraternidade que nos unia.

Naquele lugar sentia-se uma força superior, misteriosa, de um mundo diferente.

- Ei, você viu o tal de Frei Danilo, o frade que chegou ontem?

- Parece que está no portão principal.

Uma roda de alunos escondia o misterioso rosto. Ouvia-se de longe as gargalhadas e uma cabeça branca se agitando no centro do círculo.

Hoje sei, que ao me aproximar daquele frade, algo de maravilhoso aconteceu na minha vida. A cada passo que dava em sua direção, me aproximava de um dos maiores exemplos de bondade e pureza, qualidades somente encontradas em santos frades, aqueles incríveis educadores do seminário São João Batista, meus heróis para sempre.

- Muito prazer, sou Frei Danilo, tenho quarenta e três anos, gostaria, amiguinho, de tirar uma carta?

- Mas o senhor é mágico?

Realmente, foi uma doce mágica encontrar Frei Danilo nesta vida.  Foi nosso professor, Diretor, amigo do peito de todos os seminaristas, companheiro de brincadeiras, pai espiritual, “pequeno príncipe” que a todos cativava com a doçura da compreensão e do amor.

- “Essa negra Fulô, essa negra Fulo”.

-Quem quer declamar “Essa Negra Fulô”, de Jorge Lima?

Além de bom na mágica (sempre tive a expectativa de vê-lo tirar um coelho do chapéu), era um poeta de mão cheia. Gostava de ensaiar teatro com os alunos, montar peças interessantes e envolver a todos na literatura brasileira.

Grande poeta, exímio esgrimador de estrofes, sonetos e versos, mas também pelo excelente trato que dispensava aos seus seminaristas, com palavras e gestos que demonstravam amor e dedicação por uma causa que hoje compreendo melhor, a causa do Reino de Deus.

Sem dúvida, a vida de todos brilhou intensamente no alto do morro da Vila de Luzerna. 

Fulgurou em meio a garotada, naquele belo ano de 1974, um espírito criativo, um líder inteligente, alma de criança, olhos do céu, cometa fulgurante...que hoje me deixa em silêncio, pensativo, achando que ainda vou encontra-lo por aí, em meio a uma mágica e outra.

E, no torvelinho da correria deste ano de 2018, quando me quedo a pensar, surge uma forte saudade e, pedindo-lhe mais uma mágica, eis que surgem lembranças daquele sorriso que me acalma e consola.

- Mais ênfase Techio, é fundamental viver a poesia!
E repetia para que eu pudesse copiar à perfeição: “Essa negra fulô, essa negra fulô”.


(Ó Fulô! Ó Fulô! Cadê, cadê teu Sinhô que Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra fulô? Essa negra Fulô!)

Nenhum comentário: