Leonardo Boff
22/03/2013
O que convence as pessoas não são as prédicas mas as
práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem
em marcha. Eles são logo entendidos por
todos. As muitas explicações mais confundem que esclarecem. As práticas falam
por si.
O que tem marcado o novo Papa Francisco, aquele “que vem
do fim do mundo” quer dizer de fora dos quadros europeus tão carregados de
tradições, palácios, espetáculos principescos e de disputas internas de poder,
são gestos simples, populares, óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da
vida. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma
máscara e um teatro bem puntualizado pelo sociólogo Peter Berger, mesmo em se
tratando de um poder pretensamente de origem divina.
O Papa Francisco simplesmente obedece ao mandato de Jesus
que explicitamente disse que os grandes deste mundo mandam e dominam: ”convosco
não deve ser assim; se alguém quiser ser grande, seja servidor; quem quiser ser
o primeiro, seja servo de todos; pois o Filho do homem não veio para ser
servido mas para servir”(Mc 10-43-45). Bem, se Jesus disse isso, como pode o garante de sua mensagem, o Papa, agir
diferentemente?
Na verdade, com a constituição da monarquia absolutista
dos Papas, especialmente, a partir do segundo milênio, a instituição
eclesiástica herdou os símbolos do poder imperial romano e da nobreza feudal:
roupas vistosas (como as dos cardeais), ouropéis, cruzes e anéis de ouro e
prata e hábitos palacianos. Nos grandes conventos religiosos que vem da Idade
Média se vivia em espaços palacianos.
Como estudante, no quarto em que me hospedava no convento
franciscano de Munique que remonta ao tempo de Guilherme Ockham (século XIV) só
um quadro renascentista da parede valia alguns milhares de euros. Como combinar
a pobreza do Nazareno que não tinha onde repousar a cabeça com as mitras, os
báculos dourados e as estolas e vestes principescas dos atuais prelados?
Honestamente não dá. E o povo que não é
ignorante mas fino observador nota esta contradição. Tal aparato nada tem a ver
com a Tradição de Jesus e dos Apóstolos.
Segundo alguns jornais, quando o secretário do Conclave
quis colocar sobre os ombros do Papa Francisco a “mozzetta”, aquela capinha,
ricamente adornada, símbolo do poder papal, simplesmente disse: ”O carnaval
acabou; guarde esta roupa”. E apareceu com sua veste branca, como costumava
vestir também Dom Helder Câmara que deixou o palácio colonial de Olinda e foi
morar numa meia-água na igreja das Candeias, na periferia; como o fez também
Card. Dom Paulo Evaristo Arns, sem falar de Dom Pedro Casaldáliga que vive numa
casinha pobre, compartindo o quarto com algum hóspede.
Para mim o gesto mais simples, honesto e popular do Papa
Francisco foi o de ir ao hotelzinho onde se hospedara (nunca se hospedava na
grande casa central dos jesuítas em Roma) e foi pagar suas contas: 90 Euros por
dia. Entrou e pegou ele mesmo suas roupas, arrumou a malinha, cumprimentou os
funcionários e foi embora. Que potentado civil, que opulento milionário, que
famoso artista faria tal coisa? Seria maliciar a intenção do bispo de Roma
querer ver neste gesto, normal para todos nós mortais, uma intenção populista.
Não fazia a mesma coisa quando era cardeal de Buenos
Aires, buscando seu jornal, comprando o que ia preparar para comer, indo de
ônibus ou de metrô e preferindo se apresentar
como “padre Bergoglio”?
Frei Betto cunhou uma expressão de grande verdade: ”a
cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Efetivamente, se alguém sempre
pisa em palácios e em suntuosas catedrais, acaba pensando na lógica dos
palácios e das catedrais. Por esta razão, no domingo, celebrou missa na
capelinha de Santa Ana, dentro do Vaticano que é considerada a paróquia romana
do Papa. E depois foi conversar com os fiéis à porta.
Coisa notável e carregada de conteúdo teológico: não se
apresentou como Papa, mas como “bispo de Roma”. Pediu orações não para o Papa
emérito Bento XVI, mas para o bispo emérito de Roma, Joseph Ratzinger. Com isso
ele retomou a mais primordial tradição da Igreja, a de considerar o bispo de
Roma “o primeiro entre os pares”. Pelo fato de na cidade estarem sepultados
Pedro e Paulo, ganhava especial proeminência. Mas esse poder simbólico e
espiritual era exercido no estilo da caridade e não na forma do poder jurídico
sobre as demais igrejas como predominou
no segundo milênio. Não me admiraria absolutamente se, como queria João Paulo
I, resolvesse abandonar o Vaticano e fosse morar num lugar simples, com amplo
espaço exterior para receber a visita dos fiéis. Os tempos estão maduros para
este tipo de revolução nos costumes papais. E que desafio está representando
para alguns movimentos leigos que buscam a riqueza e são sedentos de poder e
para os demais prelados da Igreja:
viver a simplicidade voluntária e
a sobriedade condividida.