quinta-feira, 12 de novembro de 2015

ROQUE LAUSCHER SCJ: CARTA TESTAMENTO.




                        
Cesar Techio
Economista – Advogado
                   Cinco dias depois de ter sido informado que os exames médicos constataram o desenvolvimento de um grave processo cancerígeno que lhe ceifou a vida 87 dias depois, Roque Lauschner, jesuíta, Mestre e Doutor em economia, Diretor do CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa da UNISINOS, Técnico da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), ex-diretor do Pontifício Colégio Pio Brasileiro (ligado à CNBB e administrado pela Companhia de Jesus, dedicado à formação de sacerdotes diocesanos), escreveu algumas reflexões que compartilhou com seus irmãos e amigos:


               São Lepoldo, 10de setembro de 1997.

Quando fui informado, às 20 horas do dia cinco de setembro de 1997, que os exames médicos constataram em mim o desenvolvimento de um processo cancerígeno, pus-me a escrever algumas reflexões que comparto com cada um dos irmãos. 

O câncer pode ser curado, pode também manter-se anos ou desenvolver-se com muita rapidez. Estou nas mãos dos médicos e estou tomando medidas paralelas que não interferem no tratamento médico, como tomar “babosa” e, provavelmente leite de “aveloz”.

Alguns pensamentos que me ocorreram depois da notícia foram:

1- Agradeço a Deus a vida que me deu e cada dia de vida, signifique ela muito ou pouco sofrimento. 

2 – A doença, como tudo em minha vida, aceito como dom de Deus Pai, já que me ama com amor absoluto desde antes de criar o mundo e por todo sempre, pedindo apenas que eu me abra ao seu infinito amor.

3 – Se Deus me confiou uma missão até este momento, manda-me a doença para cumprir outra missão. Serei fiel ao que Ele quer de mim? 

4 – Ofereço todos os meus eventuais sofrimentos e dificuldades da doença “para que o Senhor mande mais operários para a sua messe”, principalmente na Companhia de Jesus, à qual pertenço e pela qual procurei dar glória a Deus.

5 – Peço a Deus suficiente liberdade interior para compreender que não devo colocar minha segurança em nenhum apoio externo (como saúde, vida longa, fama, conhecimentos, bens materiais...), mas manter sempre a alegria de carregar a cruz com Cristo, para com Ele ressuscitar. Serei digno de sofrer muito com Cristo?

6 – Sei que tenho um tempo para dizer “sim” ou um “não”  a Deus. Se este tempo fosse de cem anos, significaria menos de um sopro de vida frente aos bilhões de anos do universo ou frente a Deus que está presente em tudo que passou e virá. A vida definitiva e eterna é a única que interessa e foi uma imensa perda pessoal toda valorização indevida de alguns apoios que não estiveram centrados totalmente em Cristo.

7 – Não peço a Deus saúde, longa vida... mas apenas que faça sempre a sua vontade. Se o Pai quis que Cristo morresse aos 33 anos, porque eu deveria viver mais que o dobro de anos que Ele? Além disso, não frustrei a Deus deixando de assumir a missão como Ele queria? Mais anos seriam de real proveito para a mesma?

8 – Não tenho poder, mas devo dizer que sou Filho de quem tem todo poder no céu e na terra. Ele pode curar-me imediatamente, favorecer o acerto de medidas humanas ou permitir que eu vá para a eternidade nas próximas semanas.

Devo dizer, ainda, que a primeira missa, que celebrei depois da informação, parece ter tido mais profundidade de encontro com Cristo que antes. As simples palavras da consagração (“Tomai e comei; isto é o meu corpo que será entregue por vós” e “Tomais e bebei, isto é o cálice de meu sangue, sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós para remissão dos pecados”) que repetem as palavras pronunciadas por Cristo na Última Ceia movem o céu e a terra, porque Cristo, com os mesmos sentimentos de total entrega ao Pai na cruz se oferece por nossas mãos. O Pai, por sua vez, nos dá de comer a carne e beber o sangue da vítima ou cordeiro imaculado que lhe oferecemos aqui e agora e que é o sangue que substitui o da antiga aliança com o povo judeu.

São essas algumas reflexões que me orientam na vida. Se for vontade de Deus curar-me, devo dizer que centenas de pessoas já pediram essa graça. Se for vontade de Deus a não cura, bendito seja Deus. Ele jamais pode querer algo que não seja para o nosso bem, porque seu amor infinito e absoluto não pode faltar jamais, mesmo que lhe demos as costas e nos frustremos, livremente, como inúteis, por toda eternidade, vivendo longe de Deus.

                       Um abraço fraterno.

                       Roque Lauschner.


RENATO SOETHE, buscando informações sobre as datas de nascimento e falecimento do Pe. Roque Lauschner, escreveu neste mês de novembro de 2015,o seguinte:

“Fui até o cemitério dos jesuítas, que é lá no túmulo do Pe. Réus. Meu Deus, encontrei mais de cinquenta jesuítas que foram meus amigos e companheiros. Até chorei. Tinha um quero-quero protegendo o seu filhote entre os túmulos. Pensei: puxa! Aqui o filhote está realmente protegido. O Pe. Roque Lauschner nasceu em 22.11.37 e faleceu em 02.12.97. Abraços Techio.”