Aqui no sul é costume tomar chimarrão logo cedinho.
Acostumei-me ao hábito da cuia, pelos gabinetes de trabalho do
antigo Centro de Documentação e Pesquisa da Unisinos.
A cuia passava de mão em mão, nas reuniões de trabalho com
Pe. Roque Lauschner,
Pe. Jose Ivo Follmann,
Jose Renato Soethe,
Pe. Pedro Calderan Beltrão,
Alcido Anildo Arnold,
Marco Antonio Fetter,
Geraldo Alzemiro Schweinberger,
Vera Regina Schmitz, Olga Herdia,
Pe. Padre Rafael Carbonell de Masy
Vania Elizabet Rizzo,
Vergílio Frederico Perius,
Pe. José Odelso Schneider,
José Soraco Troncoso
Estranhei, quando pela primeira vez, me ofereceram aquela imensa
cuia gaúcha de porongo.
Depois da dificuldade da primeira tomada (que parecia não ter
fim), concentrado no que se discutia naquela imensa mesa da sala de reuniões, o
amargo do chimarrão, de mansinho foi se tornando doce.
O Cedope da Unisinos não existe mais e Pe. Roque Lauschner SJ,
há muitos anos foi participar das rodas de chimarrão celestiais com seus
companheiros, Pe. Herbert Ewaldo Wetzel (ex-Reitor da Unisinos) e Pe.
Pedro Calderan Beltrão (fundador do Cedope).
Às vezes me surpreendo com o olhar perdido na cuia de chimarrão
matutino, recordando daquelas reuniões de trabalho na antiga sede da Unisinos.
Em muitas reuniões, propostas, reflexões e projetos sobre várias
formas de cooperativismo, e a ênfase sobre a agroindústria cooperativa, como
principal agente de fortalecimento das microrregiões do país e principal
viabilizadora de fixação do homem no campo, a que mais viabilizaria a geração
de renda e emprego.
Sobre a agricultura familiar a preocupação latente pairava em
torno de várias perguntas, como por exemplo, as publicadas numa resenha de
1994, da lavra de Roque Lauschner:
“Há duas formas de as explorações familiares
se inviabilizarem: 1) manter baixos níveis de produtividade (do fator trabalho
e capital e dos insumos) a nível de exploração; 2) não integrar-se em complexos
rurais (ou cadeias produtivas) eficientes. A pergunta que poderia ser feita é a
seguinte: Em que medida o cooperativismo poderia ser uma das formas de
organização que viabiliza a agricultura familiar? Até que ponto o
cooperativismo pode modernizar a administração das explorações rurais e tornar
eficiente o complexo rural de cada produto, maximizando os resultados para a
agricultura familiar? Se no ano 2028 os que armazenam, processam e distribuem
alcançam 81,6% do valor do complexo rural mundial, pode o cooperativismo beneficiar
os produtores familiares?”
Na realidade a história era mais antiga.
Quando “Agribussines” e “agroindústria” , eram palavras pouco
conhecidas no mundo e, especialmente no terceiro mundo, no início da década de
70, o economista ROQUE LAUSCHNER já desenvolvia sua tese “ AGRO-INDUSTRIA Y
DESARROLLO ECONOMICO “ com a qual obteve o título de Mestre em ciências
Economicas pela UNIVERSIDADE DO CHILE (ESCOLATINA) e após alguns anos o título
de Doutor pela PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA, em Roma, o que lhe
popularizou entre os cooperativistas e na FAO, da qual era técnico, com o
apelido carinhoso de “Papa da Agroindústria“.
Os princípios gerais que nortearam e deram consistência a sua
pioneira tese, incluindo aí novos conceitos e indicativos para o
desenvolvimento dos povos, através da agroindústria, cooperativismo e formas
associativistas, como terceira via ideológica, projeto viável e consistente no
resgate da dignidade do ser humano, é ofertada, em síntese, em suas reflexões
intituladas “O HOMEM E O MODÊLO SÓCIO-ECONÔMICO” , publicado pelos Estudos
Leopoldenses da Universidade Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS.
Naquele magnífico ensaio, Roque Lauschner resumia os tópicos que
alicerçaram grande parte da sua linha de pesquisa e de suas ações em favor do
desenvolvimento, especialmente de pessoas e grupos periféricos à realidade
sócio-econômica e ainda sobre a posição do homem e dasinstituições neste
contexto.
Rui Polidoro Pinto, falando sobre Roque Lauschner, textualmente
escreveu:
“O padre jesuíta Roque Lauschner foi um dos maiores pensadores
do agronegócio latino-americano. Em 1974, no Chile, ele escreveu “Agroindústria
e desenvolvimento econômico”, onde expõe que os conceitos de setor primário,
secundário e terciário são ultrapassados e que se deve ter uma visão do
conjunto destes três elementos, de forma orgânica e integrados na
agroindústria.
Mas, conforme recupera o professor Luís Humberto de Mello
Villwock, da Unisinos, Lauschner não foi somente um homem de ideias. Seu
pensamento e ação para o desenvolvimento do agronegócio no Rio Grande do Sul
resultaram em ações concretas. No apogeu do Sistema Fecotrigo, juntamente com a
Fidene/Unijuí, ele foi um dos articuladores para a criação da Centralsul,
visando a industrialização de todo o agronegócio, passando pelos insumos, indo
à transformação da soja, incluindo o domínio de canais de escoamento e
distribuição. Na mesma época, também inspirou as cooperativas gaúchas, na
fundação, em 1976, da CCGL - Cooperativa Central Gaúcha de Leite Ltda., que aproximadamente
durante 20 anos tornou-se responsável por mais de 70% do leite coletado no
estado. Neste período, o cooperativismo agropecuário foi responsável por 90% do
capital social, 88% do patrimônio líquido e mais de 95% das receitas do sistema
cooperativista como um todo.
A visão de Lauschner também foi responsável pela fundação, em
1993, da Associação Brasileira de Agribusiness – ABAG, da qual participaram os
notáveis Roberto Rodrigues, Nei Bitencourt de Araújo e Odacir Klein. Tive o
privilégio de participar deste grupo como primeiro vice-presidente da Abag.
Em entrevista ao jornal O Interior, em outubro de 1977,
Lauschner justificava suas ideias citando o que ocorria pelo mundo. “Se
queremos enfrentar as empresas multinacionais instaladas nos países em
desenvolvimento, não é com pequenas empresas que vamos poder realmente realizar
uma concorrência e um verdadeiro serviço aos produtores associados das
cooperativas”, afirmava. A essência do cooperativismo é a capacidade de
aglutinação. É isto que o faz um sistema poderoso, multiplicador dos esforços
individuais. Esta é a hora de exercitarmos este poder, de superarmos todos os
obstáculos em favor da intercooperação.
Temos duas opções: ou nos tornamos fornecedores de
matérias-primas ou assumimos as rédeas e tocamos a agroindústria cooperativa”
Em outro ensaio, escrito ao tempo em que foi Diretor do Colégio
Pio Brasiliano, em Roma, demonstrando profunda espiritualidade e compreensão de
Deus, como numa aula de lógica, das que ministrava na UNISINOS, na linha de seu
famoso livro “Lógica Formal Técnica de Desenvolvimento do Raciocínio”, afirmou:
“Aquele que chega totalmente a si mesmo e se realiza
autonomamente naquilo que ele próprio é e deve ser, partindo da afirmação do
valor pessoal e limitado e imperfeito do outro realiza-se pela afirmação, em
cada valor finito, do valor pessoal infinito e absoluto, chamado Deus, ou seja,
alcança na entrega total ao outro, Deus como horizonte.
E, todo aquele que alcança na entrega total ao outro, Deus como
horizonte: “1º) Afirma Jesus Cristo que é a auto comunicação pessoal,
existencial e histórica plena de Deus aos homens e a condição de possibilidade
do amor humano existencial e histórico pleno para com Deus e, 2º) Afirma a
participação num novo povo, chamado igreja, unidade radical da dimensão íntima
e social da auto comunicação de Deus e da resposta concreta dos homens a Deus.”
Daí o compromisso moral e inalienável de ser “unidade radical da
dimensão íntima e social da auto comunicação de Deus em cuja sede se verifica a
resposta concreta dos homens a Ele.”
Na minha despedida do CEDOPE, em maio de 1992, enquanto
tomávamos as últimas cuias de chimarrão, conversamos animadamente.
Aproximando-se o momento de partir, quando já alcançava a porta de saída, Roque
Lauschner me disse: “Pra que a pressa? Tome mais um mate”.
NOTA: Os jesuítas foram promotores do cooperativismo desde
1902, com a criação da primeira cooperativa de crédito do Brasil e da América
Latina, pelo Padre Teodoro Amstad, em Linha Imperial, Nova Petrópolis, cuja
atividade pioneira foi secundada pelos Padres Max Von Lassperg, João Batista
Sehnen e pelo saudoso Padre Roque Lauschner.
Roque Lauschner (*1937 +1997)
“A SAUDADE ETERNIZA A PRESENÇA DE QUEM SE FOI. COM O TEMPO ESTA
DOR SE AQUIETA, SE TRANSFORMA EM SILÊNCIO QUE ESPERA, PELOS BRAÇOS DA VIDA UM
DIA REENCONTRAR.”
Cesar Techio
Economista – Advogado
cesartechio@gmail.com
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