Cesar Techio
Economista – Advogado
Cinco
dias depois de ter sido informado que os exames médicos constataram o
desenvolvimento de um grave processo cancerígeno que lhe ceifou a vida 87 dias
depois, Roque Lauschner, jesuíta, Mestre e Doutor em economia, Diretor do
CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa da UNISINOS, Técnico da Organização
das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), ex-diretor do Pontifício
Colégio Pio Brasileiro (ligado à CNBB e administrado pela Companhia de Jesus,
dedicado à formação de sacerdotes diocesanos), escreveu algumas reflexões que
compartilhou com seus irmãos e amigos:
São
Lepoldo, 10de setembro de 1997.
Quando fui informado, às 20 horas do dia
cinco de setembro de 1997, que os exames médicos constataram em mim o
desenvolvimento de um processo cancerígeno, pus-me a escrever algumas reflexões
que comparto com cada um dos irmãos.
O câncer pode ser curado, pode também
manter-se anos ou desenvolver-se com muita rapidez. Estou nas mãos dos médicos
e estou tomando medidas paralelas que não interferem no tratamento médico, como
tomar “babosa” e, provavelmente leite de “aveloz”.
Alguns pensamentos que me ocorreram
depois da notícia foram:
1- Agradeço a Deus a vida que me deu e
cada dia de vida, signifique ela muito ou pouco sofrimento.
2 – A doença, como tudo em minha vida,
aceito como dom de Deus Pai, já que me ama com amor absoluto desde antes de
criar o mundo e por todo sempre, pedindo apenas que eu me abra ao seu infinito
amor.
3 – Se Deus me confiou uma missão até
este momento, manda-me a doença para cumprir outra missão. Serei fiel ao que
Ele quer de mim?
4 – Ofereço todos os meus eventuais
sofrimentos e dificuldades da doença “para que o Senhor mande mais operários
para a sua messe”, principalmente na Companhia de Jesus, à qual pertenço e pela
qual procurei dar glória a Deus.
5 – Peço a Deus suficiente liberdade
interior para compreender que não devo colocar minha segurança em nenhum apoio
externo (como saúde, vida longa, fama, conhecimentos, bens materiais...), mas
manter sempre a alegria de carregar a cruz com Cristo, para com Ele
ressuscitar. Serei digno de sofrer muito com Cristo?
6 – Sei que tenho um tempo para dizer
“sim” ou um “não” a Deus. Se este tempo
fosse de cem anos, significaria menos de um sopro de vida frente aos bilhões de
anos do universo ou frente a Deus que está presente em tudo que passou e virá.
A vida definitiva e eterna é a única que interessa e foi uma imensa perda
pessoal toda valorização indevida de alguns apoios que não estiveram centrados
totalmente em Cristo.
7 – Não peço a Deus saúde, longa vida...
mas apenas que faça sempre a sua vontade. Se o Pai quis que Cristo morresse aos
33 anos, porque eu deveria viver mais que o dobro de anos que Ele? Além disso,
não frustrei a Deus deixando de assumir a missão como Ele queria? Mais anos
seriam de real proveito para a mesma?
8 – Não tenho poder, mas devo dizer que
sou Filho de quem tem todo poder no céu e na terra. Ele pode curar-me
imediatamente, favorecer o acerto de medidas humanas ou permitir que eu vá para
a eternidade nas próximas semanas.
Devo dizer, ainda, que a primeira missa,
que celebrei depois da informação, parece ter tido mais profundidade de
encontro com Cristo que antes. As simples palavras da consagração (“Tomai e
comei; isto é o meu corpo que será entregue por vós” e “Tomais e bebei, isto é
o cálice de meu sangue, sangue da nova e eterna aliança que será derramado por
vós para remissão dos pecados”) que repetem as palavras pronunciadas por Cristo
na Última Ceia movem o céu e a terra, porque Cristo, com os mesmos sentimentos
de total entrega ao Pai na cruz se oferece por nossas mãos. O Pai, por sua vez,
nos dá de comer a carne e beber o sangue da vítima ou cordeiro imaculado que
lhe oferecemos aqui e agora e que é o sangue que substitui o da antiga aliança
com o povo judeu.
São essas algumas reflexões que me
orientam na vida. Se for vontade de Deus curar-me, devo dizer que centenas de
pessoas já pediram essa graça. Se for vontade de Deus a não cura, bendito seja
Deus. Ele jamais pode querer algo que não seja para o nosso bem, porque seu
amor infinito e absoluto não pode faltar jamais, mesmo que lhe demos as costas
e nos frustremos, livremente, como inúteis, por toda eternidade, vivendo longe
de Deus.
Um
abraço fraterno.
Roque
Lauschner.
RENATO SOETHE, buscando informações sobre
as datas de nascimento e falecimento do Pe. Roque Lauschner, escreveu neste mês de novembro de 2015,o seguinte:
“Fui até o cemitério dos jesuítas, que é lá no
túmulo do Pe. Réus. Meu Deus, encontrei mais de cinquenta jesuítas que foram
meus amigos e companheiros. Até chorei. Tinha um quero-quero protegendo o seu filhote
entre os túmulos. Pensei: puxa! Aqui o filhote está realmente protegido. O Pe.
Roque Lauschner nasceu em 22.11.37 e faleceu em 02.12.97. Abraços Techio.”
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